sexta-feira, 31 de agosto de 2007

ATEUS, PORQUE NAO?

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Às 31 de agosto de 2007 às 15:50 , Blogger IRIDIUM08 disse...

Entre os resultados preliminares do censo populacional divulgado recentemente pelo IBGE, um número chamou a atenção: aumentou no Brasil o contingente de pessoas que se declaram sem religião. Até os anos 70, elas eram menos de 1% da população. Nos anos 90, 5,1% se declaravam dessa forma. Atualmente, chegam a 7,3%. A cifra global, inferior a 10%, pode não ser tão expressiva, mas o ritmo de crescimento impressiona. Os que se declaram sem religião dividem-se basicamente em três grupos. Os não-praticantes, que acreditam em Deus mas perderam o contato com as diferentes igrejas. Os agnósticos, que têm dúvidas sobre a existência de um ser supremo. E os ateus, que negam qualquer forma de divindade. Apenas no fim do ano o IBGE irá divulgar quantos brasileiros se encaixam em cada uma dessas categorias, com base no censo. Uma delas, no entanto, desperta especial interesse: a dos ateus. "Há algum tempo, pessoas que não acreditavam em Deus tinham vergonha de declarar isso em público, e até de admiti-lo diante de um recenseador", diz a antropóloga Clara Mafra, coordenadora da área religiosa do censo do IBGE. "Os números recentes sugerem que eles não apenas cresceram como grupo, mas também não têm mais medo de assumir suas convicções."

Ela tem razão. Nos últimos tempos, surgiu uma nova figura no panorama religioso do país: o ateu militante. Parece um paradoxo. É próprio dos religiosos se reunir em igrejas para professar sua fé entre iguais, e também divulgá-la. Os ateus, que negam Deus e as religiões, em tese não teriam motivos para se reunir nem para converter ninguém. De uns anos para cá, no entanto, eles organizam encontros, participam de grupos de discussão na internet e fundaram até uma ONG, a Sociedade da Terra Redonda. Qual a razão de tudo isso? "Somos a última minoria", acha o engenheiro paulista Daniel Sottomaior, de 30 anos, ateu convicto. "Depois dos gays, negros e mulheres, chegou a hora de nos organizarmos." O primeiro objetivo dos militantes é exatamente este: conclamar pessoas sem fé religiosa a assumir o próprio ateísmo. Parece simples, mas trata-se de uma decisão séria. Durante séculos, professar uma religião sempre foi um elemento de identidade importante entre o indivíduo e a sociedade. No passado, os dissidentes eram punidos até com a morte, como ocorria nos tempos da Inquisição. Em algumas nações islâmicas ainda persiste a intolerância religiosa. Na maior parte dos países do Ocidente, no entanto, com a separação entre Igreja e Estado, os indivíduos desfrutam hoje em dia liberdade total nesse campo. É fácil e socialmente aceito mudar de uma religião para outra, e muitas pessoas fazem isso várias vezes ao longo da vida. "Existe liberdade religiosa desde que você pertença a alguma religião", pondera o programador de computadores Leo Vines, 24 anos, presidente da Sociedade da Terra Redonda, uma rede que coloca os ateus do país inteiro em contato via internet. "Negar Deus é muito mais radical, e é algo paradoxalmente malvisto mesmo no mundo científico em que vivemos."

Ele quer dizer que as pessoas ainda têm medo de se declarar ateístas, principalmente quando vivem longe dos grandes centros urbanos. O caso da família Heuser, do Rio Grande do Sul, é emblemático. Asa Heuser, hoje com 45 anos, mudou-se recém-casada para a cidade de Tenente Portela, no interior gaúcho. Ela e o marido não acreditavam em Deus – Asa, de origem finlandesa, havia inclusive sido criada numa família ateísta há várias gerações. Ao chegarem à cidade, no entanto, resolveram entrar para a igreja luterana. "Ficamos com medo de ser rejeitados pela sociedade local se nos declarássemos ateus. Além disso, meu marido, que é veterinário, poderia perder clientes", conta Asa. Os três filhos do casal foram batizados na fé luterana. Hoje, eles se orgulham de formar uma família 100% ateísta, e assumida. Asa e o marido moram em Guaíba, cidade próxima a Porto Alegre, e dois dos três filhos vivem na capital – o outro mora no exterior. "Saímos do armário justamente para combater o preconceito segundo o qual quem não tem religião não consegue educar uma família com referências morais fortes", explica Asa. Que ninguém ache estranho o uso da expressão "sair do armário". Os sem-fé a tomaram emprestada do movimento gay.

A julgar pelos 830 colaboradores cadastrados na Sociedade da Terra Redonda, cujo site tem uma média de 75.000 visitas por mês, a maioria dos ateus brasileiros é jovem e vem da área de Ciências Exatas. "Somos racionalistas, e uma de nossas funções é denunciar falsos milagres das diversas igrejas", diz o presidente Leo Vines, que atualmente tenta provar que pastores evangélicos enganam seus fiéis prometendo a cura de doentes de Aids. Isso representa uma mudança em relação a gerações passadas, quando se atingia o ateísmo pela via do marxismo. "Quem examina a questão da existência de Deus à luz de um método científico chega inevitavelmente à conclusão de que Ele não existe, já que não há nenhuma evidência concreta disso", acha Leo Vines. É uma discussão interminável. O escritor italiano Umberto Eco, reconhecidamente agnóstico, escreve no livro Em que Crêem os que Não Crêem? que, se a vida de Jesus Cristo for apenas um conto imaginado pela humanidade, o simples fato de o homem ter criado toda uma ideologia sobre o amor baseada numa figura fictícia já seria um mistério insondável. Outro fato que unifica os ateus brasileiros é que para a maioria deles "sair do armário" não foi uma decisão dramática. Em geral são jovens que nunca tiveram nem fé nem prática religiosa. Assumir o ateísmo foi apenas uma conseqüência disso. Ter uma fé e negá-la é um processo muito mais complicado. Claro que existem também casos assim. "Fui criado numa família metodista e passei por dúvidas na adolescência", diz o engenheiro Celso Lago, 42 anos, de Campinas. "Foram as leituras de autores como Nietzsche e Bertrand Russell que acabaram fortalecendo minha convicção de que Deus não existe." Lago hoje tem um site na internet com nomes de ateus famosos e uma bibliografia básica sobre o tema.

A militância ateísta suscita uma questão. Será que os ateus são discriminados numa sociedade materialista como a atual? Só há indícios de que isso ocorra efetivamente no campo da política. Pesquisa do Instituto Gallup feita em 1999 nos Estados Unidos mostrou que a porcentagem de pessoas que não votariam de jeito nenhum num candidato ateu era bem maior que a das que rejeitariam representantes de outras minorias listadas – gays, negros e mulheres. Em 1985, na eleição para a prefeitura de São Paulo, o então candidato Fernando Henrique Cardoso se atrapalhou num debate ao tentar responder se acreditava ou não em Deus. No dia seguinte, foram espalhados pela cidade panfletos contendo uma cruz e a inscrição "Cristão vota em Jânio". Fernando Henrique perdeu para o ex-presidente Jânio Quadros numa eleição apertada, e muitos correligionários atribuíram o fato à resposta dúbia dada no debate.

Na vida privada é duvidoso que haja discriminação. Nem os militantes mais radicais do movimento dos sem-fé são capazes de dizer o nome de pessoas que tenham perdido o emprego por não acreditar em Deus. Ao contrário. O carioca Albaney Guedes Baylão, de 33 anos, trabalha como gerente de informática no Colégio Santo Inácio, pertencente à congregação jesuíta. "Todos aqui sabem que sou ateu, e mesmo assim tenho um excelente ambiente de trabalho e nunca me senti constrangido", atesta Albaney. Ele é casado, tem uma filha pequena e abriu mão de colocá-la para estudar de graça na escola onde trabalha porque não quer que a menina tenha uma formação religiosa. Afora o mal-estar que a confissão de não acreditar em Deus provoca em alguns círculos sociais ou na família, o ateísta raramente sofre represálias por sua escolha. Ser ateu também não provoca constrangimentos na vida cotidiana. É diferente do homossexual que esconde sua condição e deixa de freqüentar lugares públicos com o namorado ou namorada.

Pouco se sabe ainda a respeito do fenômeno do ateísmo no Brasil. Praticamente não há trabalhos acadêmicos sobre o assunto, e não se tem idéia exata nem de quantos são os ateus. Os militantes ateístas estimam algo em torno de 3% da população, pouco menos da metade dos sem-religião apontados pelo censo. Se for assim, será o mesmo porcentual dos Estados Unidos – terra da ONG American Atheists, inspiração dos ateus brasileiros – e um pouco inferior à média da Europa, onde eles são 4%. Na América do Norte e no Velho Continente, eles se encontram em geral no topo da pirâmide social. No Brasil, não dá para saber. O censo ainda não tabulou os sem-religião por nível socioeconômico. Também não é possível dizer que eles se concentram nos Estados mais urbanizados. O Rio de Janeiro aparece em primeiro lugar no ranking dos sem-religião, mas o segundo colocado é Rondônia. Também seria errôneo deduzir que os religiosos se concentram no Nordeste, onde está o Estado com o maior número de católicos, o Piauí. Afinal, Pernambuco e Bahia, dita de todos os santos, chegam respectivamente em terceiro e quarto lugares na corrida dos descrentes. O ateísmo brasileiro é um fenômeno que merece ser estudado com atenção, até pelo que tem de paradoxal num país que a um só tempo é a maior nação católica do mundo e se vangloria da diversidade de opções religiosas que oferece a seus habitantes.

FONTE VEJA.

 

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